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Nos passados dias 19 e 20 de Setembro, vários estudantes das diversas escolas de Arquitectura do País, encontraram-se na Casa da Música do Porto para mais um festival de Arquitectura, o Mesa Talks, um cartaz deveras aliciante. A comemoração dos 30 anos de carreira do arquitecto Eduardo Souto de Moura foi o pretexto para tamanho evento, que concentrou no mesmo espaço e tempo grandes nomes da Arquitectura. A atitude descontraída, informal e até improvisada que os mesmos adoptaram para com o público jovem criou uma proximidade acolhedora; foram momentos de partilha, não só dos seus projectos, mas também de situações e histórias menos gloriosas das suas vidas, como a inexperiência e ingenuidade de início de carreira, a falta de trabalho, de reconhecimento, de não cumprimento do projecto, etc. Estas narrativas bem dispostas, contadas pelos mais velhos e ouvidas pelos mais novos, alertam-nos mais uma vez para o to be architect is a hard work. Cada vez há mais arquitectos, mas só os que amam, dormem, vivem com a arquitectura é que terão possibilidades de virem a ser os “continuadores deste legado arquitectónico, como afirmou Paulo Mendes da Rocha.

Como se explica a actual e excessiva afluência aos cursos de arquitectura por parte dos mais jovens? Bem, tal como o futebol e a gastronomia, a arquitectura portuguesa tornou-se numa referência, o que leva a que cada vez mais haja um crescente número de jovens a quererem ser arquitectos, só porque é moda. Não é a única razão, existe também uma resposta do ensino nacional que contribui para que essa tendência possa facilmente aumentar, sem a aparente preocupação com a oferta do mercado de trabalho actual. 

Se compararmos o contexto em que os dois prémios Pritzker portugueses iniciaram a sua vida de arquitectos e o panorama actual, facilmente nos apercebemos que passámos do 8 para o 80, não só porque nessa altura havia poucos arquitectos, mas também porque nos anos 1990 houve o boom da urgente necessidade de habitação, portanto trabalho/construção não faltavam. O ensino em arquitectura também tinha um papel muito mais activo na vida profissional, onde a relação aluno/mestre, de que Siza e Souto de Moura usufruíram, era crucial no desenvolvimento das primeiras obras arquitectónicas ainda enquanto estudantes. Não terá sido essa troca de experiências essencial para a qualidade arquitectónica hoje verificada? Não querendo criticar o ensino actual nessa perspectiva, pois hoje em dia é insustentável tal método, não estaremos a cair no oposto? Sublinho, quantidade não significa qualidade, muito menos no contexto económico em que vivemos.

Recordo-me que nos meus primeiros anos do curso de Arquitectura era frequente os professores de projecto dizerem: “Ser arquitecto não é uma profissão, é um estilo de vida.” É uma frase difícil de esquecer, até porque não percebíamos bem o seu significado. Os mais interessados acabam por perceber que ser arquitecto é espírito de sacrifício, uma forma de estar na vida, um percurso onde a aprendizagem é constante e a exigência é extrema. No entanto, há os que ainda julgam que arquitectura é um emprego como outro qualquer, revoltam-se e reclamam oportunidades e facilidades impossíveis no contexto actual. Outros, conformam-se, deixam de sonhar e arriscar, qualquer coisa que lhes apareça à frente serve, faça-se boa ou má arquitectura. Ambas as posições são sinal ou de pouca inteligência ou de pouco amor pela arquitectura. Também somos culpados pelo agravamento da situação, somos pouco ambiciosos e temos poucos e os mesmos objectivos de vida que se resumem a um pack: um bom emprego, de preferência próximo de casa, um bom ordenado e estabilidade. Foi isso que os nossos pais nos incutiram, tirar um curso superior para ter direito ao pack e ao estatuto que este proporcionava. 

Para os mais distraídos, não é essa a realidade com que lidamos, muito menos para quem vai para arquitectura. Para além disso, não deveria ser a realização profissional e pessoal o principal objectivo para quem investe num curso superior?

Portugal tem, actualmente, cerca de 26 cursos de Arquitectura, aos níveis dos ensinos público e privado, que enchem todos os anos. Segundo estatísticas europeias de 2008, dos 32 países europeus, Portugal ocupava o sétimo lugar em quantidade de arquitectos, com 16 300; no entanto, proporcionalmente, é o país com mais arquitectos logo a seguir à Itália, o maior produtor de arquitectos da Europa. Mesmo assim, desde 2008 o número de vagas em Arquitectura não parou de aumentar, o que, para além de diminuir a qualidade do ensino, pois o número de docentes não conhece alterações nem os edifícios universitários ampliam, agrava a situação de esgotamento que é de conhecimento de todos. Não, não há emprego nem oportunidades para todos, mas o dinheiro continua a ter que entrar nas universidades/Estado, mesmo que se saiba que se estão a formar (enganar) pessoas destinadas ao desemprego e à frustração. Existe uma incoerência óbvia na oferta de formação em Arquitectura, tendo em conta o panorama nacional/europeu, que se reflecte não só nas estatísticas mas também nas manifestações cada vez mais frequentes por parte de jovens revoltados, que reclamam os seus direitos de sobrevivência. É uma profissão de luxo? Sim, não é qualquer um que se pode dar ao luxo de investir numa profissão que não perspectiva quaisquer garantias de futuro, em que, após uma Licenciatura com Mestrado Integrado de cindo anos bastante dispendiosa, ainda possa investir numa carreira internacional. 

Deveria haver um alerta muito mais sério por parte das instituições escolares sobre a realidade da vida profissional de cada curso; as mesmas deveriam também disponibilizar informação com base em estudos e previsões do mercado de trabalho, para que na hora da escolha os candidatos estivessem cientes e preparados para as dificuldades futuras, começando a pensar em soluções e, o mais importante, em que a profissão seja a mais adequada aos objectivos e às aptidões de cada um. Com certeza seria uma medida que iria distribuir de forma mais coerente a afluência de estudantes a determinados cursos e valorizar a satisfação e a qualidade profissional. 

A nossa geração é fruto do facilitismo proporcionado pelos nossos pais; não corremos atrás da coisas, esperamos que elas corram atrás de nós. É cada vez mais preciso que os jovens adquiram espírito empreendedor, sejam curiosos e tenham vontade de aprender. Devia ser essa a principal missão da educação e do ensino nacional: combater o comodismo, estimulando os mais novos para o espírito empreendedor, para a curiosidade e vontade de aprender, como armas de combate anticrise. |


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